Realidade, Percepção e Valor: a Matrix das marcas
A revolucionária franquia do filme Matrix, fez toda uma geração refletir sobre questões clássicas da filosofia com toda a roupagem cyberpunk que lhe transformou em um ícone da cultura pop dos anos 2000. Arrisco dizer que a própria realidade esteve em Xeque ao longo dos anos seguintes. Pois as questões apresentadas no filme, fez muita gente se perguntar;
“O mundo no qual vivemos é mesmo real ou não passa de um mero simulacro que ludibria nossa consciência?”
E com a produção em andamento de uma nova continuação, os velhos e complexos questionamentos, ainda sem resposta voltam a ocupar nosso imaginário. Mas no fim, sinceramente, a resposta para esta pergunta, embora profunda e difícil de se mensurar, talvez pouco importe de verdade. Isso devido ao fato de que nossa consciência de mundo está atrelada aos nossos sentidos e emoções, que constituem a nossa percepção. E é exatamente a percepção o objeto de atenção deste artigo. É a percepção que nos faz gostar ou não de alguém, preferir ou não uma marca ou considerar um produto caro ou barato.

Percepção é o processo pelo qual alguém seleciona, organiza e interpreta as informações recebidas para criar uma imagem significativa do mundo. Em outras palavras é a capacidade de um indivíduo processar com base em seu contexto social, político, cultural, econômico e pessoal para interpretar as informações que obteve sobre algo ou outro alguém. É a constituição de sua leitura particular na concepção de sua visão crítica em maior ou menor grau sobre o objeto de sua avaliação.
Do ponto de vista da gestão de marca – Branding – cabe à empresa e seus gestores construir uma identidade de marca. Uma identidade de marca estabelecida com o emprego deliberado de elementos visuais, sonoros, arquitetônicos, de movimento, localização, valores, atitudes e principalmente de posicionamento. Tudo isto atuando de forma coordenada contribui, no entanto, para que o mercado, formando por consumidores, clientes, concorrentes, fornecedores, investidores e etc., faça uma melhor leitura deste conjunto de elementos para a construção de uma imagem percebida da marca, empresa, produto e etc. Em outras palavras, cabe de forma limitada à empresa a gestão de sua identidade, ou seja; de quem ela é. Enquanto a interpretação que constituirá o significado da imagem desta marca é algo que está reservado aos indivíduos que fazem sua leitura pessoal. No marketing, as percepções são mais importantes do que a realidade. Pois elas afetam a crença, as atitudes e o comportamento real dos consumidores.
E como saber se esta imagem é percebida como uma imagem de maior ou menor valor ou ainda, de valor negativo?
Bem, para isso existe uma fórmula simples e reveladora.
VALOR = Benefícios – Custos
Onde Benefícios e custos são formados por tais compostos:
Composição de Custo Total: envolve custos monetários, custos de tempo, psicológico, energia física e depreciação de imagem. Enquanto a Composição de Benefício Total: envolve benefícios de performance do produto ou serviço, benefício de congruência de valores pessoais, sociais e/ou culturais, benefícios econômicos e de imagem.
Logo, se o resultado do composto de benefícios – custos é negativo, não existe percepção de valor na oferta. Já se os benefícios suplantam a composição de custos envolvidos em uma determinada oferta, temos então uma percepção de valor presente.
A questão é que de forma muito subjetiva a percepção se dá com base na leitura mais ou menos sensível dos indivíduos para diferentes elementos. Por exemplo: um consumidor muito sensível a preço vai priorizar sua escolha de uma barra de chocolate por meio de uma comparação de preço entre diferentes produtos. Buscando maximizar seu valor econômico, tentará encontrar a opção que lhe entregue mais gramas de chocolate pelo menor preço. E dentre as opções;
Opção A: 160g por R$5,
Opção B: 90g por R$4,50
Opção C: 100g por R$4,40
Certamente ele escolherá a opção C, pois é a opção mais barata com 10g a mais de chocolate em relação a opção B que custa R$0,10 a mais. E nesta percepção sensível o custo monetário, ele não percebe que o benefício econômico seria maior na Opção A, pois é na qual a grama do chocolate é mais barata. Pois para seu julgamento a Opção C é a que lhe proporciona mais produto por menos capital.
Opção A: R$0,03 por grama
Opção B: R$0,05 por grama
Opção C: R$0,04 por grama
Diferente de uma percepção sensível a experiência pessoal de degustar uma refeição de qualidade e beneficiar-se dos atributos de imagem ao levar sua namorada para jantar em um badalado restaurante da cidade. Neste caso a percepção de valor não é construída pela máxima racionalização econômica da transação comercial, mas sim, pela experiência vivenciada e compartilhada com sua acompanhante. E é exatamente aí que o gestor de marketing deve agir. Na relação entre expectativas e experiências. Quanto maior for a superação de qualidade do seu produto ou serviço em relação a expectativa do seu consumidor, maior será a percepção de valor deste consumidor.
Então cabe ao marketing conduzir a formatação de produtos e serviços, assim como a comunicação, precificação e distribuição para que a composição de benefícios seja percebida com grande superioridade em relação aos seus custos. Este é o segredo para se vender um mesmo produto por um preço muito maior do que a concorrência. Ofereça um melhor prazo de entrega, uma imagem diferenciada, uma alta performance de qualidade e atribua à sua empresa e produtos valores alinhados com os valores de seu público, posicione sua marca como defensora de causas e propósitos comuns com o seu consumidor e ele verá um valor muito mais elevado na sua oferta do que na concorrência, mesmo pagando um custo monetário maior. Se a oferta de produtos e serviços conseguir atender as necessidades e desejos mais latentes do consumidor, este poderá ser um grande negócio para ambas as partes. Pois a entrega de uma experiência com benefícios alinhados com a sua sensibilidade permite que o consumidor possa perceber esta como a melhor oferta do mercado. E é neste ponto que a emoção e até mesmo a paixão suplantam o racional.
Assista à cena do jantar onde as personagens Cypher e Smith que protagonizam este diálogo:
Agente Smith: Nós temos um acordo, o Sr. Reagan.
Cypher: Você sabe, eu sei que este bife não existe. Eu sei que quando eu colocá-lo na minha boca, a Matrix dirá ao meu cérebro que ele é suculento e delicioso. Depois de nove anos, você sabe o que eu percebo? Ignorância é uma benção.
Agente Smith: Então, nós temos um acordo?
Platão já questionava a nossa capacidade de perceber o universo e as “verdades” ao nosso redor em A REPÚBLICA, como em seu célebre conto da caverna. No qual o homem acorrentado no fundo de uma por toda sua vida e condicionado a compreender o mundo por meio de sobras projetadas entre o fogo de uma fogueira e o fundo da caverna. E ao conseguir escapar da caverna e avistar a paisagem externa, teve grande dificuldade para compreender o que estava diante de seus olhos. Pois lhe faltava referências. Porém, depois de conseguir se desalienar da sua percepção limitada de mundo anterior, o indivíduo retorna para dentro da caverna e tenta explicar para os demais que diante das sombras projetadas, não são capazes de compreender e acreditar no que lhe é dito, com base em suas percepções limitadas do universo.
E as marcas encontram no seu ecossistema de interação com consumidores, clientes, fornecedores, parceiros, investidores e sociedade em geral a representação de sua própria Matrix. Cabe aos gestores de marketing conduzirem a codificação que orienta a percepção de valor para que a marca e seus produtos/serviços possam ter uma imagem percebida de mercado com grandes atrativos que desperte admiração e desejos. De forma prática, é fabricar uma geladeira com alta eficiência energética, mas que também seja bonita, espaçosa e com diversos “porta-trecos” na porta. É posicionar a marca em defesa, reinvindicações e promoções de causas sociais que conversem com os valores e anseios de seu público-alvo. Afinal, como o garotinho da sala de espera do Oráculo explica para Neo em Matrix:
Não tente entortar a colher, é impossível. Em vez disso, apenas tente ver a verdade.”

Como disse, o clássico filme Matrix é uma obra de revisões filosóficas profundas e provocativas. Dito isto, podemos entender que Neo se apresenta como um indivíduo que ao longo de sua jornada consegue realizar um profundo autoconhecimento para enfrentar a realidade. Mas, nem todos os personagens se apresentam desta forma. Cypher é um exemplo disso. E na intrigante cena do jantar com o agente Smith ele escolhe trair e entregar seus companheiros em troca de poder regressar à Matrix sem lembranças da realidade crua e inconveniente. Pois chega à conclusão de que cometeu um erro ao escolher a pílula da verdade. E então, escolhe a mentira da realidade simulada da Matrix, pois em sua percepção, poderia ser muito mais feliz sendo ignorante sobre a verdade. Assim como os demais indivíduos da caverna de Platão. Ficou curioso, nostálgico ou intrigado com este novo contato com Matrix? Então assista a este vídeo que faz um breve compilado sobre o enredo e desdobramentos de Matrix e suas principais questões filosóficas.
Escrito por Alexandre Conte.
Excelente artigo, Alexandre! Completo, gostoso de ler e conteúdo de altíssima relevância. Parabéns!