A Teoria do Sorvete

Se você faz parte da segunda metade da geração Y [millenials] que nasceram entre os anos 1981 e 1996 ou ainda da geração Z, nascidos de 1997 a 2012, certamente não deve saber o que é uma hiperinflação e muito menos a viveu de forma consciente. E acredite, isto é ótimo. Para você que se quer ouviu falar a respeito, uma hiperinflação é classificada quando a inflação ultrapassa os 50% em um único mês. E o Brasil viveu 7 anos consecutivos entre os anos 80 e 90 sob o efeito deste terrível mal econômico, com índices que atingiram 80% em um único mês, em março de 1990.

Mas e o sorvete?

A questão é que nesta época não sobrava muito dinheiro para sorvete para a maioria dos brasileiros. Pois o dinheiro perdia seu poder de compra de uma forma muito acelerada ao longo do mês. Pois com uma inflação de ao menos 50% ao mês, certa de 33% do poder de compra separava o primeiro dia do último dia do mês. Então, o que as famílias faziam era correr para o supermercado e comprar o máximo que podiam com seus salários e estocavam alimento em casa para garantir o sustento do mês. Pois o mesmo montante de dinheiro que comprava 12 sacos de leite (Sim nesta época ainda não existiam as embalagens tetrapak e os leites eram vendidos em saquinhos), no final do mês, com aumento de ao menos 50% do preço, era capaz de comprar apenas 8 saquinhos de 1l de leite.

Porém, com as novas políticas econômicas empregadas em 1994 e sustentadas pela criação do plano Real esta maldição econômica foi embora. Mas o comportamento das pessoas permanece vivo. Basta visitar um supermercado em dia de pagamento. Ainda há muitas famílias realizando suas compras de mês neste período. Os mais velhos, certamente exercendo puro hábito dos tempos da hiperinflação. Os mais novos, provavelmente replicando os comportamentos que vivenciaram em casa e tomaram como referências para suas vidas adultas.

E minha provocação está justamente nisso. Na condição econômica atual em que vivemos, embora com frequentes conturbações, estamos muito, mas muito distante daquela realidade tenebrosa. O que faz com que o estoque de alimentos em casa se torne desnecessário economicamente. Pode-se dar um desconto para situações mais específicas como os observados no início da pandemia de 2020, onde o receio de escassez fez com que muitas pessoas corressem para os supermercados e mercearias para montar grandes estoques de suprimentos em casa, causando até elevações de preço e consequentemente aumento de inflação.

Contabilmente, este movimento de transformar capital líquido de caixa em estoque é conhecido como movimento de imobilização. Imobilizar significa transferir um ativo líquido [Aquele que está disponível para utilização imediata], como dinheiro da conta caixa ou uma aplicação de curto prazo em um tipo de ativo menos líquido, como um imóvel ou produtos em estoque.

Não há exatamente um mal em se fazer isso. Por muitas vezes, pode ser um movimento inteligente, quando realizando em antecipação a um aumento de preços previsto ou diante de uma ótima negociação de preços de compra ou ainda quando se espera uma demanda acentuada pelo item em estoque.

Existe, porém, um outro conceito que permeia esta decisão. O chamado custo de oportunidade. Que é quando perdemos a oportunidade de realizar algo por tomar uma decisão contrária ou que impossibilita a outra. Para ser bem didático, vou ilustrar este exemplo com as mesmas 12 caixas de leite. Digamos que uma caixa de leite que custa hoje, por volta de R$3,00 seja o equivalente a uma bola de sorvete em uma casquinha. Ao comprar as 12 caixas de leite, os R$36,00 que estavam na carteira agora não podem ser mais utilizados para comprar sorvete. O ato de imobilizar o caixa de R$36,00 em um estoque de 12 caixas de 1l de leite tornou isso impossível, pois consumiu todo o capital disponível.

Por mais que a demanda conhecida e estimada para um mês seja, para as 12 caixas de leite, em nosso exemplo, uma alternativa seria comprar 3 litros por semana. Isto manteria um estoque pequeno para ser consumido de acordo com a necessidade semanal, reservando o capital de forma líquida na carteira. E se porventura em algum momento surgisse a oportunidade ou desejo de consumir uma bola de sorvete ao invés de um litro de sorvete, esta escolha poderia ser realizada, por haver dinheiro disponível na carteira. Ou seja, após consumir R$18,00 na compra de 6 litros de leite para as 2 primeiras semanas do mês, na terceira semana, eu poderia comprar 2 caixas de leite e um sorvete utilizando os mesmos R$9,00 semanais. E ainda teria na carteira 9 Reais para a última semana do mês. Com a oportunidade de poder escolher o que comprar com este saldo na carteira, pois ainda estava líquido, em espécie para ser utilizado na compra do que melhor desejar ou mais precisar.

Neste exemplo simples ilustrei um conceito também, muito simples de educação financeira. O da reserva de oportunidade. Pois, se por um lado temos um custo de oportunidade ao empenhar o recurso com uma determinada compra não podendo o converter mais em outro produto, temos por outro lado, a possibilidade de reservar o capital protegido para o empregarmos diante de decisões futuras conforme melhor se apresentarem. Já que dificilmente conseguiremos comprar uma bola de sorvete na casquinha com uma caixa de leite.

Mas tem um outro “porém” que esqueci de comentar. Eu ADORO sorvete! E sempre que realizo uma pequena conquista ou quero comemorar uma vitória, eu costumo me auto presentear com um sorvete. Funciona para mim como uma pequena indulgência ou uma premiação pela conquista realizada. Seja uma venda fechada, um cliente insatisfeito convertido em cliente feliz, uma meta batida ou qualquer outro motivo de comemoração. Seja pequeno ou grande. Um dos aprendizados importantes que obtive na vida é que não há vitória pequena e que toda conquista DEVE ser celebrada. Esta é uma forma de automotivação, de comemorarmos e vibrarmos com o sucesso de nossos esforços. Afinal, é para isso que eles são colocados em prática.

Então, acredite. Eu GOSTO muito de sorvete. E gosto ainda mais de tomar sorvete, pois, por muitas vezes isto significa a celebração de algo positivo. E, embora o leite seja um dos principais ingredientes da composição do sorvete. Eu vou preferir usar a minha reserva de oportunidade para comprar um sorvete ao invés de uma caixa de leite, sempre que quiser comemorar alguma coisa.

Eu chamo este meu raciocínio lúdico, econômico e contábil carinhosamente de “A TEORIA DO SORVETE”. E já há algum tempo venho compartilhando esta minha visão com meus alunos em sala de aula. E hoje, no dia nacional do sorvete, resolvi escrever a respeito e compartilhar com você também. Então, lembre-se o custo de oportunidade a cada vez que decide comprar mais do que precisa de alguma coisa e pense. E se eu quiser tomar um sorvete? Será que preciso mesmo disso tudo ou posso guardar parte deste dinheiro para comprar sorvete quando tiver algo para comemorar? Se você não gostar tanto de sorvete como eu, tudo bem. Prometo não lhe julgar por isso. Você sempre poderá trocar o sorvete por qualquer outra coisa. Pode ser morangos, uma taça de vinho, um jantar, um cinema, um relógio ou até mesmo, uma viagem internacional. É você quem escolhe o sabor do seu sorvete. Desde que não o desperdice com “imobilizados” desnecessários que lhe custem o preço de um “sorvete”.

Sobre o dia do sorvete

No dia 23 de setembro é celebrado no Brasil o dia nacional do sorvete. A data comemorativa foi criada em 2002 pela ABIS – Associação Brasileira das Indústrias de Sorvete. A escolha deste dia não foi ao acaso. A data marca o fim do inverno e início da temporada de calor no Brasil, período no qual as vendas de sorvete aumentam consideravelmente. E este passou a ser um marco comemorativo para o setor desde então.

Então, que você reserve-se sempre a oportunidade de celebrar suas vitórias e conquistas com os seus sorvetes. E que estes sorvetes representem sempre também o início de novos tempos promissores para você.

Escrito por Alexandre Conte.

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