Pessoas, Processos e Heróis
Toda empresa visa uma atividade altamente eficiente e eficaz de suas operações. Para isso, a empresa conta com dois fatores complementares; a expertises, habilidades e conhecimentos de seus colaboradores que irá compor o grau de Dependência de Intervenções Pessoais, e a implantação de padronização e otimizada de acordo com o grau de Adesão à Processos. A discussão sobre processos é sempre um assunto relacionado à eficiência, redução de custos e qualidade. O que a torna recorrente para qualquer executivo preocupado com estas questões dentro da organização.
Diante da dinâmica de mercado e alta competitividade existente na maioria dos setores, as empresas precisam constantemente rever suas práticas e garantir que sejam capazes de prover os melhores resultados ao menor tempo possível. Porém, existe alguns elementos como a cultura organizacional, grau de complexibilidade ou ainda a ausência de canais claros de informação dentro da empresa. E estes são elementos que atrapalham o desenvolvimento da organização e podem contribuir com a ineficiência ou com o aumento do risco às vantagens competitivas da empresa.
Todo trabalho realizado dentro ou ligado à organização acontece, obrigatoriamente, como parte de algum processo organizacional. De modo que não há um produto ou serviço oferecido sem um processo. Todos os processos existentes na organização podem ser categorizados como organizacionais, pois viabilizam o funcionamento coordenado dos diversos subsistemas da organização.
Dentre inúmeras conceituações do termo “processo” podemos assumir aqui como;
“Uma série de tarefas ou etapas que recebem insumos (informações, materiais, máquinas, métodos, pessoas) e geram produtos (informação, produto físico, serviço) obedecendo a normas e regras, para ser utilizado para fins específicos, por seu receptor”.
O problema ocorre quando é transferida uma alta dependência do sucesso da operação, para os ombros das pessoas. Quando o mais adequado deveria estar pautado nos processos. Pois o comportamento dos colaboradores é imprevisível. É possível coagir, inibir, estimular e até motivar. Mas a incerteza ainda se fará presente. Kathleen M. Eisenhardt (1989) descreve muito bem sobre a questão de risco compartilhado entre as partes principal-agente em sua Teoria da Agência (que juntamente com a Teoria do Custo de Transação formam a Teoria da Firma), que trabalha o problema encontrado diante do conflito entre os objetivos da organização e os objetivos de seus colaboradores. A autora aponta como necessária a utilização de mecanismos que busquem minimizar esta disparidade entre os objetivos. Seja através da remuneração, da coerção, da motivação ou de monitoramento das atividades e do comportamento dos indivíduos.
“A Teoria da Agência restabelece a importância dos incentivos e do interesse próprio no pensamento organizacional” (Perrow, 1986).
O risco é depositar informações, conhecimentos de procedimentos e orientações de prioridades e importâncias exclusivamente ou significativamente na intervenção pessoal. Porém ao depender demasiadamente das intervenções das pessoas, o risco é de que o indivíduo não possua interesse, habilidades, conhecimentos suficientes ou de não estar motivado o bastante para executar a tarefa da melhor forma ou no modo necessário. Existe também a possibilidade do indivíduo propositalmente agir de má fé e sabotar a tarefa por oportunismo em nome de seu interesse próprio. Além do fato de que um colaborador pode não estar mais presente na empresa no dia seguinte, seja lá qual for o motivo (Falta, morte, desligamento, aposentadoria e etc). Além do fato de que se não há normas e processos bem claros e descritos, a ação por meio da intervenção pessoal tende a gerar conflitos de entendimentos e de interesses dentro da organização. Ainda é comum nos dias atuais encontrar empresas sem qualquer organização ou entendimento do processo e do seu real significado. Isso tem causado grandes estragos, principalmente às empresas de pequeno e médio porte, que tendo sido formadas e desenvolvidas pelos próprios donos, raramente tiveram a oportunidade de crescer de forma organizada e profissional, com todos os processos entendidos e adequadamente documentados.
A cultura organizacional pode ser nociva à prática de alta performance, quando oferece resistências à fluidez dos seus processos, por exemplo quando reflete a postura de seu patriarca ou gestor principal que atua como grande concentrador. Ao não delegar de forma clara tarefas e funções e concentrar em si a maioria das tomadas de decisões, a empresa fica sem uma conduta clara de como proceder e o prazo total se alonga, pois requer uma intervenção direta do gestor principal. Ou ainda quando existe uma cultura de improviso ou de urgência, onde a atenção é dada apenas para as demandas mais urgentes e a improvisação visa apenas “tapar buracos” e apagar incêndios, sem padronização. A complexibilidade também pode atrapalhar a prática eficiente, pois diante de estruturas de relacionamentos muito complexos, não fica claro qual o caminho para a sequência de um trabalho ou de que área seria a responsabilidade das tomadas de decisões, o que cria tarefas e projetos sem “pais responsáveis” ou também a estagnação pela falta de hierarquia e escopos bem definidos que deixam a todos os envolvidos repletos de dúvidas e sem norte. E por sua vez, os sistemas de informação deficientes de uma organização, podem comprometer o desempenho da empresa como um todo, devido ao atraso com que a informação chega até o gestor que precisa tomar uma decisão ou porque a informação não chega completa até quem precisa dela para realizar a tarefa.
Em cenários onde ocorrem um ou mais destes exemplos, o caos se instaura. Chega como um pequeno incêndio, com demandas urgentes que com o tempo passam a se tornar ainda mais frequentes e mais urgentes. Transforma-se em uma desorganização estrutural entre equipes ou departamentos ou ainda de grandes atritos entre os stakeholders envolvidos. Até atingir um patamar onde o trabalho não é capaz de acontecer sem a figura de um colaborador com habilidades, conhecimentos e acima de tudo muita boa vontade em fazer com que as “engrenagens” da equipe, do projeto, do departamento ou mesmo da organização como um todo continuem girando, ele passa a ser um grande facilitador no meio de toda esta desordem capaz de garantir que as demandas sejam atendidas e os prazos respeitados. Este grande facilitador em pouco tempo passa a ser reconhecido como um grande e muito querido herói. Pois sem a sua ajuda muitos não fazem ideia de como seria seu dia-a-dia de trabalho, nem como os resultados poderiam ser obtidos.
Assim Gotham City é retrata. Como uma grande metrópole que cresce mais rápido do que é capaz de estruturar-se e de modernizar seus subsistemas. A cidade é também uma organização social, um organismo vivo que começa a entrar em colapso diante da crescente desordem instaurada pela ausência de processos eficientes. Sem esta premissa de problemas, riscos, perigo e caos, o mito do herói não pode existir. É como a história do Batman. Bruce Wayne só se torna Batman diante da onda crescente de crimes e do caos iminente que toma conta da cidade. Sem o assassinato de seus pais, o pequeno Bruce não teria a motivação em fazer justiça. O cavaleiro das trevas ganha vida porque existe uma cidade carente de ajuda e desesperada por pragmatismos eficazes. Pois os processos e subsistemas não mais dão conta das tarefas necessárias. O mesmo ocorre com a empresa. Que cria a figura de um herói, seja ele um indivíduo, uma equipe ou até mesmo um departamento inteiro. Que passa a concentrar em si a responsabilidade de resolver os problemas que os responsáveis não conseguem, não querem ou nem mesmo sabem que precisam fazer. Atua como agente facilitador entre as muitas partes envolvidas e também como executor de tarefas que ninguém mais ousa executar ou seria capaz de realizar. O herói se torna herói porque é o único que faz seja como for, o que precisa ser feito. Esta figura, muito habilidosa, com conhecimentos e experiências específicas e um grau de comprometimento tão raro quanto grandioso rapidamente se destaca, ganha evidência da organização embora nem sempre o reconhecimento merecido. Mas assim como Gotham City precisou ser tomada pelas trevas para conceber a figura do herói, é a própria existência do herói que cria as condições para o surgimento dos super-vilões na figura do anti-herói, que se dispõe a combater o tão aclamado herói.
No mundo corporativo isso ocorre através da inveja e da ferida de egos, da disputa de poder e
do assédio de empregadores externos. Gotham City é a organização, a polícia e os tribunais representam seus processos deficientes e o colaborador que tudo sabe, tudo resolve e a todos salva é quem se veste de Batman diariamente no trabalho, os anti-heróis podem ser representados aqui como colaboradores com egos feridos e que tentam disputar o mesmo brilho e atenção. Departamentos que tentam minar a atuação do colaborador herói para poderem assumir seu lugar ou ainda gerentes e diretores míopes que procuram boicotar seu trabalho para evitar que cresça demais na organização e tome seu lugar. Ou ainda demais empresas do mercado que descobrem seu talento e o assediam para contratá-lo com melhores cargos e salários. E todas estas disputas e adversidades engrandecem ainda mais a luta cotidiana deste que todos reconhecem como um genuíno herói.
A intervenção pessoal é importante e necessária em qualquer organização, porém precisa ser exercida em conjunto com uma alta adesão de processos. Pois enquanto a padronização otimizada de processos bem desenhados e implantados contribui diretamente para a qualidade e performance da organização, a intervenção pessoal permite agir com flexibilidade, pragmatismo e oportunismo diante das ameaças e oportunidades encontradas no mercado.
Podemos então trabalhar em uma matriz o cruzamento entre o grau de Adesão à Processos e o grau de Dependência de Intervenções Pessoais para classificarmos as organizações (o mesmo pode ser aplicado à esferas menores como departamentos, equipes e etc) em 4 perfis bem característicos.
Organização Iceberg
O pior cenário organizacional é quando uma empresa possui o perfil de um iceberg, sobrevivendo congelada, estagnada e monótona à deriva do mercado. Este perfil se constitui em organizações que possuem um grau muito baixo ou até mesmo nulo de adesão à processos, o que compromete criticamente a eficiência produtiva da organização. Outro ponto é não prover condições de intervenções pessoais para a resolução das tarefas, conflitos e atendimento de demandas especiais. Esta empresa possui baixíssima competitividade no mercado e até consegue sobreviver por certo tempo de acordo com o setor de atuação, mas sem significativo crescimento. Porém dificilmente permanece assim por períodos muito longos. Pois ou ela profissionaliza sua gestão para garantir sua saúde financeira e desenvolver vantagens competitivas que a mantenham viva e atuante no mercado ou estará fadada ao fracasso. Muitas empresas familiares morrem por este motivo. Até conseguem operar por um tempo sem processos profissionais implantados e com toda a intervenção pessoal concentrada nas mãos do gestor patriarca. Porém sem a flexibilidade do empowerment e a eficiência dos processos de negócios ela não perdura em mercados competitivos.
Organização Trem Bala
Organizações que amadurecem sua gestão e reconhecem o valor de mapear, implantar e constantemente rever e aprimorar seus processos são organizações que orientam-se por resultados e competentemente conseguem desempenhar uma operação de alta qualidade e alta performance. Este perfil de organização é muito evidente na indústria onde a produção é a operação mais crítica da empresa. Mas também é frequente em setores onde existe forte regulamentação técnica-legal, como em bancos e órgãos governamentais. Nestas empresas a burocracia é imperativa e rígida para assegurar a plena conformidade com os parâmetros estabelecidos para a execução de cada tarefa que compõe os diversos processos da organização. No geral são organizações altamente competitivas e de alta performance onde as pessoas são apenas colaboradores temporais do trabalho. Pois estas organizações tende a perdurar por muito, muito tempo. Pessoas vem e vão, sua produção continua a todo vapor e seu crescimento é agressivo e constante.
Organização Gotham City
Organizações presentes neste quadrante são organizações difíceis de trabalhar de modo colaborativo e ainda mais difíceis ainda de gerir. A ausência ou grande deficiência dos processos compromete significativamente o desempenho da organização e a alta dependência de intervenções pessoais cria um cenário de grandes incertezas. Onde ninguém sabe ao certo como proceder ou onde estão os recursos (capital, informações, insumos, pessoas e etc.) necessários para sua atividade. Este é um cenário que exige grande flexibilidade e pragmatismo. Que são conceitos muito úteis e valiosos para as organizações, porém sem um suporte de normas e regras, padrões e burocracias que apoiem e direcionem as atividades, as tomadas de decisões e os fins, a empresa tende a parecer uma praça de guerra, uma plantação devastada por um ciclone. Onde cada indivíduo e/ou departamento está preocupado e empenhado em saciar seus interesses próprios e diante disto é praticamente nula a pratica colaborativa entre equipes e departamentos. A alta dependência de intervenção pessoal somada à pressão de tempo e resultados é propícia sim à criatividade e a inovação. Porém devido à ausência de processos e procedimentos hão ocorre documentações nem aperfeiçoamento de técnicas e práticas e a inovação se perde em meio ao caos. E é neste cenário impróprio para a realização de um trabalho de alto desempenho que surge a figura do herói. Seja um indivíduo, uma equipe ou mesmo um departamento inteiro que cansado e revolto com este cenário, e de posse de habilidades e conhecimentos avançados compra a brica com os maiores problemas da organização e com muita dedicação e comprometimento atua solitário em sua resolução e se torna a referencia e apoio para que boa parte se não toda a empresa dependa dele. Logo esta empresa possui alta flexibilidade, mas baixa eficiência organizacional. Enquanto o herói está presente e atuante, a organização consegue se manter viva e ativa e até mesmo crescendo. Mas sem bases muito sólidas, pois a falta de processos competentes mina diariamente os resultados com o risco de falhas, atrasos e fracassos.
Empresas Avião a jato
Estas são o suprassumo. São as empresas dos sonhos de qualquer empresário e profissional. São empresas que já atingiram um alto grau de maturidade e de gestão onde aprendeu a apoiar-se na adesão e vasto emprego de processos mas sem abandonar a expertise e genialidade de seu pessoal. São o estágio final para as organizações que sobrevivem ao estágio de Iceberg e superam os perfis de Trem Bala ou de Gotham City. Neste perfil, a organização está altamente profissionalizada, com processos modernos e constantemente aperfeiçoados, suas atividades são otimizadas e as informações compartilhadas com facilidade. E todo o gerado é acumulado e taxonomicamente documentado. Consegue alcançar uma alta performance devido sua alta qualidade e efetividade utilizando com sabedoria a intervenção pessoal como elemento agregador às tarefas do dia-a-dia regidas por normas de conduta e objetivos bem claros e difundidos. Ou seja. As pessoas certas possuem autonomia para realizar as tomadas de decisões apropriadas no momento necessário para adequar a operação aos objetivos organizacionais. Estas organizações geralmente figuram em seus mercados como líderes e provedoras de tendências. Possuem grande vantagem competitiva, e unem robustez com elasticidade o que gera resultados favoráveis para todos os envolvidos.
Vimos então que a figura do herói surgem apenas no cenário onde a organização assume o perfil Gotham City. Porém isto não significa que o único caminho para se alcançar o perfil de organização Avião a Jato seja através da rígida implantação de processos e racionalidade máxima exercida pelas organizações Trem Bala. Mas sim buscar uma configuração harmoniosa entre processos (principal valia das organizações Trem Bala) e intervenções pessoais (principal característica do perfil Gotham City) que seja mais adequada e adaptada à cultura organizacional, característica de segmento, grau de complexibilidade do negócio e nível de competitividade do mercado na qual a organização atua.
Mas afinal, o que acontece com Gotham City quando o Batman cai?
Sem a figura do super herói para proteger os cidadãos e garantir o funcionamento das regras sociais a cidade decai perante o caos. O mesmo pode ocorrer com a organização que depositam a chave do seu negócio nas costas de seus heróis. Mais cedo ou mais tarde esse herói cairá. Seja porque foi derrotado pelas adversidades, seja porque chegou o dia de se aposentar, seja porque foi contratado por outra empresa ou porque um certo dia ele saiu e não mais voltou.
Porém, depender única e estritamente em processos torna a empresa burocrática demais e demasiadamente lenta para operar mudanças cada vez mais exigidas pela dinâmica dos mercados competitivos. A melhoria contínua de processos está no uso de tecnologia para apoiar as transformações organizacionais. Inicialmente, a gestão de processos de negócio (BPM) tinha foco na automação dos processos de negócio com o uso da tecnologia da informação, porém com a evolução do conceito passou a integrar também as interações humanas.
Ou seja. O segredo está em saber dosar dependências, importâncias e poderes entre os processos e as pessoas. É preciso traduzir para os processos dos subsistemas da organização, os objetivos do negócio. É preciso padronizar as tarefas rotineiras de modo otimizado e eficiente, por meio de modelagens de processos e reciclagens constantes para garantir sua manutenção e aperfeiçoamento e assegurar que sejam respeitados e seguidos. É preciso implantar também uma cultura de gestão do conhecimento de democratize e descentralize informações e conhecimentos importantes e relevantes por meio de documentações e sistemas de informação competentes para as partes que precisam ter acesso, no momento em que precisam. E prover autonomia e liberdade para os colaboradores de todos os níveis (proporcional e pertinente à seus escopos de trabalho) para flexibilizarem quando preciso e inovarem quando necessário, mas de acordo com os objetivos globais da organização e com a devida documentação para controle e aprendizado futuro.
Ao conseguir realizar esta difícil missão sem o auxílio de um herói, ou tirando dele a dependência de sucesso, a organização atinge o grau de maturidade de governança necessário para torna-la um verdadeiro avião a jato que voa alto e a frente de seus concorrentes, tornando-a líder de mercado.
Por Alexandre Conte
Bons conselhos, e metáforas que elucidam o entendimento do ambiente corporativo. Sem dúvida o equilíbrio entre a rigidez dos processos e a participaçao dos individuos é o caminho ideal.
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